Em setembro de 2023, Stephanie Fernandes desenhou toda a malha metroviária de Berlim a lápis de cor em folhas de papel vegetal, e escreveu um verso para cada direção de cada linha. Por exemplo, a linha U2, de Pankow a Ruhleben equivale a um verso, ao passo que o trajeto contrário, de Ruhleben a Pankow, equivale a outro verso. O poema, no entanto, não se constrói a partir desses versos iniciais na íntegra. Stephanie vem anotando seu itinerário desde então, há mais de um ano, e registrando o poema que sai de sua locomoção. Se, em uma terça-feira, Stephanie se move da estação Schönhauser Allee até a estação Nollendorfplatz da linha U2, é somente esse recorte do verso que entra no poema. Quando ela faz baldeação ou termina um trajeto, quebra a linha. Cada estrofe, por sua vez, é o registro de um dia.
trecho 01
12 de setembro de 2023 – 16 de setembro de 2023
perpendiculares não se fazem
uma
cidade
enquanto por que não
quem se lança aos quatro ventos sem saber quais ou se
torre sineiro e eclesiástico sem se saber dono do tempo
qual seria a graça das acácias a graça dos acasos a graça
descalça e pisa gelado nos clássicos caquinhos no quintal da
quem se lança aos quatro ventos
clássicos caquinhos do quintal da
porque tem olhos um animal de carga na paisagem também

trecho 02
11 de outubro de 2023 – 18 de outubro de 2023
porque tem olhos um animal de carga na paisagem
que não dizem respeito à domesticação dos felinos mas dos homens
outra
perpendiculares como quem se lança
carga tem antolhos porque tem olhos um
avó cuja silhueta ainda contorna de cor por fora do vidro canelado da janela
cardeais norte sul leste oeste e tudo que couber entre as perpendiculares como quem
e quanto e quem aonde
enquanto por que não
além ao tal e quanto e quem
enquanto por que não enquanto e
avó cuja silhueta ainda contorna de cor
ou por mal pode ser
ao pé
outra

trecho 03
02 de março de 2024 – 23 de março de 2024
um carteiro inteiro
e talvez enquanto por que não
subiu ao alto da torre sineiro e eclesiástico sem se saber dono do tempo
que não dizem respeito à domesticação dos felinos mas dos homens
ao pé do ouvido
qual quando
e quanto e quem aonde qual
e talvez enquanto por que não
e quanto e quem aonde
quando e talvez enquanto por que não
e talvez qual
ouras no litoral são outras capital também é
mais ou menos ritmado mais ou
fazemos que retornamos ao passo que
e quanto e quem aonde
ouvido ao pé do seu ouvido dos seus pés aos seus
no litoral são outras capital também é
enquanto por que não enquanto
e quanto e quem
aonde qual
e talvez enquanto por que não

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Stephanie Fernandes é poeta e tradutora, brasileira, radicada em Berlim. Formada em Linguística pela Universidade de São Paulo, Stephanie observa paisagens enquanto linguagem, pensando sempre em como os movimentos – ventos, estradas, meras caminhadas – compõem a história dos lugares. Traduziu obras de Mary Beard, Virginia Woolf, Christina Rossetti e Emily Brontë para o português brasileiro, e recentemente preparou a primeira edição brasileira de Stanzas in Meditation, de Gertrude Stein, traduzida pela poeta Júlia Manacorda.
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